Bolsonaro na embaixada da Hungria: quais as regras para o asilo político?

por Letícia Mori e Leandro Prazeres, na BBC News Brasil em São Paulo e em Brasília

Investigado por suspeita de tramar um golpe para permanecer no poder após as eleições de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria, em Brasília, em fevereiro, em uma “aparente tentativa de pedir asilo político”, segundo informações do jornal americano The New York Times.

Vídeos publicados na segunda-feira (25/03) pelo Times mostram momentos da estadia do ex-presidente na embaixada entre os dias 12 e 14 de fevereiro, apenas alguns dias depois de a Polícia Federal confiscar seu passaporte e prender o coronel Marcelo Câmara, seu ex-ajudante de ordens; e Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência.

Embaixadas estrangeiras estão protegidas pela “inviolabilidade” prevista na Convenção de Viena, o que significa que as autoridades brasileiras não podem entrar no local sem o consentimento do país, explica à BBC News Brasil o advogado Thiago Amparo, professor de direito da Fundação Getulio Vargas.

“Isso não significa que a embaixada é ‘território estrangeiro’, é uma confusão bem comum”, afirma Amparo.

A defesa do ex-presidente divulgou uma nota confirmando a estadia e afirmando que a presença de Bolsonaro na embaixada — que fica em Brasília, cidade onde o ex-presidente reside — foi para “manter contatos com autoridades do país amigo”.

“Nos dias em que esteve hospedado na embaixada magiar, a convite, o ex-presidente brasileiro conversou com inúmeras autoridades do país amigo atualizando os cenários políticos das duas nações”, diz a nota, assinada por seus advogados.

“Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos.”

Embora o Brasil não tenha grandes fluxos migratórios ou parceria econômica ou com a Hungria, Bolsonaro teve durante seu governo uma relação próxima com o primeiro-ministro húngaro de direita, Viktor Orbán, explica o cientista político Dawisson Belém Lopes, professor de políticia internacional e comparativa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Essa relação estava baseada no compartilhamento de uma visão de mundo lastreada por autoritarismo e religiosidade”, diz Belém Lopes.

Na tarde de segunda (25/03), o embaixador da Hungria foi chamado ao Ministério das Relações exteriores para uma conversa.

“É uma medida comum nas relações diplomáticas para mostrar um descontentamento e pedir explicações, porque o país tem a obrigação de não interferir na política nacional”, explica Amparo.

Bolsonaro pode conseguir asilo político?

O asilo político é regido pelas normas do direito internacional, mas cada país tem seus procedimentos específicos para concessão.

Ele está previsto no Artigo 14 de Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê que “toda vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”.

No caso da Hungria, que faz parte da União Europeia (UE), solicitantes de asilo estariam sujeitos ao sistema europeu comum de asilo — não há, no entanto, confirmação sobre Bolsonaro ter feito este pedido.

As regras para o asilo político na UE dizem que quem faz o pedido precisa ter “um medo bem fundado de ser perseguido ou um risco real de sofrer danos graves”.

A perseguição ou ameaça de dano pode vir do Estado de origem da pessoa, de partidos ou organizações controlando o Estado ou parte substancial do território e de agentes não ligados ao Estado, desde que o país de origem da pessoa não tenha condições de protegê-la.

No entanto, o asilo político é considerado um direito do Estado, ou seja, embora proteja os direitos humanos, sua concessão é uma prerrogativa dos países.

A consequência disso, de acordo com o trabalho do jurista Celso Albuquerque Mello, é que esse direito sempre foi “livre, arbitrário e discricionário, assente na soberania territorial”.

Ou seja, embora existam regras, em última instância, os Estados podem conceder ou não um asilo de forma bastante livre.

“Hungria pode conceder asilo a quem quiser porque é um ato discricionário do país, desde que ele siga a Convenção de Viena”, diz Thiago Amparo.

Assim, diz o cientista político Dawisson Belém Lopes, a concessão de um hipotético asilo a Bolsonaro seria uma opção viável.

“Além dessa proximidade entre os dois, há ainda o esgotamento das alternativas para Bolsonaro. EUA, Itália e países do Golfo Pérsico (Arábia Saudita, Emirados Árabes e outros) não parecem abertos a esse tipo de acolhimento”, afirma o pesquisador.

Belém Lopes diz que não acredita que a estadia do ex-presidente na embaixada não esteja relacionada a um pedido de asilo.

“A ideia de que Bolsonaro pernoitou na embaixada da Hungria em Brasília – cidade onde mantém residência – para manter contatos de trabalho, em pleno Carnaval, logo após o juiz Alexandre de Moraes ter confiscado seu passaporte, é absurda, para não dizer risível”, diz ele.

A estadia no embaixada seria importante para o ex-presidente em caso de pedido de asilo, já que, caso houvesse a concessão do asilo e Bolsonaro não estivesse na embaixada, o governo brasileiro não teria obrigação de entregá-lo ao país, explica Thiago Amparo.

Bolsonaro passou duas noites na embaixada da Hungria após operação e apreensão de passaporte, diz jornal. Foto: The New York Times/Frame

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